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Musicbox Heineken Series: Silver Apples + Gala Drop

Musicbox Heineken Series: Silver Apples + Gala Drop

2017-05-19, Musicbox, Lisboa
Pedro Miranda
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As já famosas Heineken Series da nuclear sala lisboeta proporcionaram ao público dois dos mais criativos espetáculos a passar pelo Cais do Sodré nos últimos tempos.

No que ao Musicbox diz respeito, quando um concerto leva o selo da Heineken Series, é de se esperar coisa boa. Não que o name sponsor implique um esforço acrescido da parte da sala, mas pelo simples facto da parceria já ter dado resultados que a elegem entre as noites mais usuais de indie, kuduro ou cumbia. O destaque da passada sexta-feira foi, no entanto, para as várias possibilidades que advêm da mistura das tradições do rock e da electrónica, e os protagonistas dificilmente poderiam ter sido melhor escolhidos.

Numa inversão da ordem usual dos procedimentos, a noite de sexta-feira abriu com o aparente cabeça de cartaz, ou pelo menos o seu nome mais sonante: a ilustre presença do projeto Silver Apples, perpetuado na figura do admirável Simeon, foi um momento para os anais da história do Musicbox. O octagenário, responsável por uma das primeiras e mais arriscadas aplicações da eletrónica à estrutura do rock da história (!), mantém vivo e muito vibrante o nome que ativou pela primeira vez nos anos 60, com a garra que se pede de um músico tão experimental quanto a época de onde é proveniente.

«Excuse me, while I kiss the sky» – é com estas palavras, emprestadas de “Purple Haze”, de Jimi Hendrix, que Simeon, com o seu característico fedora, dá início a um espetáculo sobejamente eletrónico, mas na sua íntegra saudoso: descartando os computadores, servia-se apenas de sintetizadores, drum pads e pedais de guitarra antigos para construir o seu som áspero, muitas vezes dissonante e constantemente desafiante. E as modulações, que Simeon empregava sem reservas para enriquecer o seu som – principalmente delays de vários tamanhos e formas – lançavam-no em feedbacks descontrolados de ruído com a mesma facilidade com que cavalgava ritmos pop reminiscentes de uns precursores de Animal Collective.

E reafirmando vez após outra a inegável energia e jovialidade que preserva, (reclamando inclusive com a organização por ter trocado a sua vodka por água), Simeon conquistou o coração de fãs novos e antigos, que insistiram tanto que o convenceram a tocar mais uma antes da despedida. Temas novos imiscuíram-se entre clássicos da primeira fase da carreira de Silver Apples, como “Oscillations” ou “Seagreen Serenade”, e desta forma se fez um concerto que, pecando pela sua brevidade, não deixou de se juntar a muitos dos belíssimos momentos que a casa tem vivido ao longo dos anos.

E as modulações, que Simeon empregava sem reservas para enriquecer o seu som – principalmente delays de vários tamanhos e formas – lançavam-no em feedbacks descontrolados de ruído com a mesma facilidade com que cavalgava ritmos pop reminiscentes de uns precursores de Animal Collective.

E por falar de momentos que ficam para a memória, registe-se sem devaneios o retorno, depois daquilo que tem parecido uma eternidade, dos ilustríssimos Gala Drop a estas paragens, cuja falta tem sido muito sentida, diga-se de passagem, por quem não os encontra desde o lançamento de “II”, em 2014. Uma banda em muitos aspectos única em Portugal, a sua abordagem à ginga da eletrónica por meio de instrumentação típica do rock só é favorecida pela espessa camada de psicadelismo com que a cobrem, representando, à semelhança de Silver Apples, mais um espectáculo que dá voz à primazia do ritmo e das texturas.

E ainda que grande parte do concerto, quase sempre instrumental, se pautasse pela livre improvisação (uma característica que conferia coesão e desenvoltura notáveis aos movimentos do grupo), que não raro se manifestava em jeito de ritmos crescentes e orquestrações progressivamente mais imponentes, houve tempo ainda para leves referências ao material de discos anteriores, com um sabor predominante do que pode vir no futuro. O encerramento, com a aptamente baptizada “Samba da Maconha”, apenas deu mais ênfase ao excelente trabalho do americano Jerry the Cat, o único membro não-lusitano do grupo, no comando da percussão.
A noite prosseguiu ainda com Ghost Hunt, o projeto inspirado no krautrock alemão de Pedro Chau e Pedro Oliveira, assinalando com ainda maior diligência a convergência de mundos que é o rock eletrónico. Por mais, é só aguardar.