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MEO Arena, Work In Progress

MEO Arena, Work In Progress

Paulo Basilio

A Meo Arena, a maior sala de espectáculos de Portugal recebeu um melhoramento ao nível acústico. Fomos até lá para nos inteirarmos a fundo sobre o projecto.

A fazer-nos uma visita guiada estiveram José Faísca, Crowd Manager do Meo Arena, e João Vieira, CEO da Jocavi, empresa responsável pelo trabalho. Foi o primeiro que nos introduziu ao objectivo da intervenção: «Uma das preocupações da gestão do Meo Arena é proporcionar ao público que nos visita, uma experiência de maior conforto, de maior consistência, e mais apelativa. Sempre que encontramos uma oportunidade de melhoria, a nossa obrigação é trabalhar nesse sentido. Temos sempre o feedback do público como algo extremamente importante».

A acústica de uma sala vive pela sua envolvente

Nesse sentido, o som daquela que é a maior sala de espectáculos em Portugal e uma das maiores da Europa tornou-se uma questão central nesse busca por melhorias constantes, afirma: «Solicitámos uma empresa especializada que nos pudesse ajudar a elaborar um projecto que pudesse melhorar o que já fazemos bem, até à data». Em entrevista com a AS, explicam-nos os detalhes das intervenções e os resultados pretendidos.

Quais foram as zonas de foco, em que sentiram uma necessidade maior de fazer o trabalho?
João Vieira: A acústica de uma sala vive pela sua envolvente. As suas superfícies todas contam, obviamente, para a característica acústica da sala. A primeira preocupação foi perceber essa característica acústica: medir, perceber a sala e identificar todos os predicados nas diversas zonas. Porque há zonas bastante diferentes do balcão para a plateia, do meio da plateia ao fundo da sala… Portanto, tentar perceber a sala para depois “eleger” as zonas alvo para suportar painéis de tratamento acústico. As zonas foram as laterais do palco, porque eram superfícies em betão e teriam que ser alvo de um cuidado; foi toda envolvente do perímetro, na forma de ferradura da sala. Para ser construída uma superfície absorvente com dois tipos de característica: a faixa de baixo, mais activa na absorção das médias e baixas frequências, e a parte de cima, no resto do espectro sonoro, médios/agudos.

Qual a consequência directa dessa intervenção?
Isso cria uma envolvente e diminui também o volume da sala, que fica, tendencialmente, “mais pequena” e o som vive menos tempo no interior dela. Também com a intenção de aproximar as características da sala vazia e cheia, isto mais para as bandas nos ensaios de som, para tornar o tempo de reverberação mais baixo com a sala vazia. Pusemos também uns painéis, uns pads, colados em todas as cadeiras, fazendo com que simule 25% de ocupação. A simulação foi feita com base, mais ou menos, em 22% da ocupação, que é bastante significativa porque a sala baixou bastante, por si só, o tempo de reverberação. Obviamente que estas foram as partes eleitas, tendo em conta que a sala tinha discrepâncias posicionais muito grandes no tempo de reverberação. Agora está mais amenizada.

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Neste caso, a JOCAVI desenvolve os seus próprios materiais? Em termos dos painéis houve alguma novidade/solução?
João Vieira: Sim. A JOCAVI fabrica todos os seus produtos e são todos fabricados em Portugal, com matérias-primas 90% portuguesas. Adaptámos principalmente o tamanho dos painéis dos módulos. Há painéis com 2,40m de largura por 2m de altura – são painéis de dimensão grande. Portanto, para um sítio como este adequa-se melhor à montagem. Adequámos também o modelo do pad que colámos às cadeiras. O resto é material que já existe no mercado e está disponível no nosso catálogo, adaptámos apenas as dimensões habituais para dimensões maiores por uma facilidade de montagem. A simulação foi feita com base nos produtos standard disponíveis no nosso catálogo.

O projecto não está esgotado, é faseado, estamos constantemente em work in progress.

Mas é utilizado algum tipo diferente de espessura, material para cortar as reflexões, percepções de frequências, etc.?
João Vieira – É, basicamente, para substituir a área (uma área que não é benéfica para a acústica) por uma área “boa”. As simulações são feitas por substituição, as superfícies são as mesmas, a parede continua lá, apenas não se comporta para o som como antes. O modelo chama-se Basmel e é feito de melamina, uma espuma bastante porosa, que é muito eficaz nas médias/altas frequências. Outra questão foi a cor. A cor da matéria-prima assemelhava-se bastante à cor de fundo. Esse é um produto autocolante, muito prático de aplicar e foi o produto escolhido para substituir a característica do betão.

José Faísca: Uma preocupação da gestão foi que o projecto da melhoria acústica da sala também tivesse em consideração o ponto de vista estético.. Houve um trabalho do departamento técnico da ARENA ATLÂNTICO, da JOCAVI e do arquitecto Regino Cruz (arquitecto do projecto MEO ARENA) para que, esteticamente, esta que é uma das salas mais bonitas da Europa, não desvirtuasse a sua beleza e pudesse, como resultado final, apresentar algo que fosse apelativo para o próprio público.

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E em termos do estudo acústico? Usaram algum tipo de software, de simulação e traçar de raios?
João Vieira: Como base para o estudo acústico, são as medições que ditam o ponto de partida. Retratámos a sala tal como ela estava e houve um levantamento de vários sítios. Quando se fala duma sala, ao tempo de reverberação dá-se um valor. Em grandes volumetrias e é preciso várias amostras, em vários pontos, para se tirar uma média. Construímos um 3D, baseado dos desenhos originais de arquitectura do Arq. Regino Cruz que, connosco fez crescer esse modelo 3D, que foi exportado para um simulador acústico de volumetria, onde todas as superfícies têm uma característica acústica – seja uma cadeira de plástico, betão, todas as componentes. Há os materiais por defeito e há os nossos produtos, que já temos caracterizados nessa plataforma. Depois, é uma questão de áreas, de metros quadrados, e de tentar fazer várias amostragens, preencher os espaços em que nos faz sentido intervir e verificar, sucessivamente, o resultado que nos está a dar, até conseguirmos esgotar o que conseguimos oferecer de mais-valia ao cliente dentro de um limite orçamental. Como dizia o José Faísca, isto é um work in progress e estamos, em conjunto com o dono do espaço, a ajudar a melhorar as condições acústicas, tendo em consideração que as grandes volumetrias precisam sempre de lidar com pequenas afinações e improvisar e melhorar um pouco mais. É nesse caminho que estamos. Por exemplo, a área da parede Blueticket/Régie não estava feita, começámos a fazer hoje [NR: Data de entrevista, no dia 29/07/2016]. São uns painéis de absorção de baixas frequências impressos em tecido, portanto, o aspecto da parede vai manter-se, exactamente, como está. Foi uma parede eleita para levar esse tratamento porque fica em frente ao palco. Haverá outras zonas onde vamos também fazer, aos poucos, afinações. O global da primeira fase de intervenção está feito e os resultados estão plenamente atingidos!

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Por estar de frente para o palco, a parede da Régie/Blue Ticket, foi tratada com a colocação de painéis de absorção de baixas frequências.

Já tiveram algum feedback do público ou de artistas como, por exemplo, o Carlos Santana?
José Faísca: Já! Do Carlos Santana, do Super Bock Super Rock, Rod Stewart… Nestes eventos, quer nos órgãos de comunicação social quer o público em geral, o feedback tem sido, extraordinariamente, positivo. Então, este investimento fez obviamente sentido! Como o João Vieira disse, há sempre afinações. Mas o investimento considerável que foi feito neste momento, veio tornar a sala ainda mais apelativa e com melhores condições. O nosso compromisso é (além de ser a nossa política de qualidade também) melhoria constante. Estarmos atentos às necessidades, às inovações e ao que, claramente, ainda pode ser feito.

A sala é de um grau de dificuldade de nível máximo, se calhar, tendo em conta a sua imponência e qualidade

Qual será a responsabilidade do técnico de som, tendo em conta as condições oferecidas?
José Faísca: É um bom ponto. A sala é de um grau de dificuldade de nível máximo, se calhar, tendo em conta a sua imponência e qualidade. O que estamos preocupados em fazer é facultar aos técnicos de som, através de um manual de utilizador que estamos a elaborar, e o João Vieira em particular, que possibilite e facilite o seu trabalho nesta mesma sala. Portanto, não gostamos de considerar que um é melhor, outro pior ou se a culpa é de A, B ou C. Queremos, sim, garantir condições óptimas para que quem vem usar a sala, colocar e manusear equipamento, tenha as melhores condições para o fazer. Daí estarmos, desta forma, penso que inovadora, a trabalhar nesse manual. Para proporcionar a estas mesmas pessoas a possibilidade de conhecerem melhor esta sala e conhecerem melhor as características da própria sala, potenciando todo o seu trabalho. Esta sim, é a nossa preocupação. Trabalhar mais sobre o ponto de vista positivo do que o negativo.

Qual a melhor área para se ouvir um concerto na Meo Arena?
João Vieira: Como referi, foi feito um levantamento do espaço, onde se mediram as características acústicas da sala em vários pontos. Retratei que havia uma diferença grande de reverberação… Esta discrepância está amenizada, embora continue a haver sítios de eleição para ouvir e outros menos favoráveis. Há sempre! Agora, o público em geral está muito mais bem servido, ou seja, as diferenças são muito menos notórias. As diferenças do tempo de reverberação, que é o tempo que o som vive num espaço fechado, estão mesmo muito mais amenizadas. Quando se fala em grandes volumetrias, estamos sempre a falar de tempos de reverberação na ordem. Antes da intervenção, esse tempo era quase 4.64 e agora está com 3.08, menos 30%, que é bastante energia que já foi absorvida por esta intervenção. Esta melhoria e o manual dos procedimentos é a parte do conforto que os utilizadores do espaço, quer sejam os promotores ou o público em geral, podem vir a usufruir, se as coisas correrem bem. Não quer dizer que, de um dia para o outro, deixe de haver concertos com mau som no MEO ARENA, nem o oposto. Tudo tem variantes: o tipo de música, o tipo de programa musical que cá passa… Da parte do MEO ARENA, ao facultar um manual com informação para as equipas de montagem, os níveis de pressão acústica, a altura recomendada a que devem ser suspensos os line arrays, quanto mais os utilizadores conhecerem, se quiserem aceitar e forem de acordo com o que estiverem a ler, pode ser uma grande ajuda. Com essa informação e a redução que já houve, é óbvio que vai haver mais possibilidade de êxito na maior parte dos concertos (70%,80% ou 90%). Haverá sempre um concerto mal sucedido, como acontece em qualquer sala do mundo, mas não lhe é atribuído nenhum factor extraordinário.

José  Faísca: Nesse nível, nós podemos minimizar o risco de acontecer. O risco existe sempre e é para evitar isso que estamos a trabalhar.

Abre a galeria de imagens (em baixo) para verificar os trabalhos de tratamento acústico na Meo Arena.