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Jacinto Franco: O Jovem Coração do Monte Verde

Jacinto Franco: O Jovem Coração do Monte Verde

Inês Barrau

O festival açoriano Monte Verde conta já com 6 edições. Desde 2012 que cumpre o objectivo de levar músicos de renome e jovens promessas a Ribeira Grande, sem esquecer as bandas da terra. Pelo segundo ano consecutivo, a equipa da AS esteve presente. Falámos com Jacinto Franco, um dos rostos e um dos impulsionadores do festival.

O que começou por ser uma brincadeira de amigos – «e se fizéssemos um festival em São Miguel?» – tornou-se num dos grandes eventos de verão micaelense. Pela praia do Monte Verde já passaram nomes como Guano Apes, Linda Martini, Richie Campbell, Mundo Segundo & Sam the Kid, Gabriel, o Pensador, Alborosie ou Natiruts.

De onde surgiu a ideia de fazerem um festival deste género nos Açores?
Surgiu pela nossa passagem pela associação académica da Universidade dos Açores. Fizemos um contrato com alguns agentes e com algumas pessoas ligadas ao mundo da música e já na altura havia uma grande carência de festivais do género. Com esses novos contactos decidimos arriscar e até agora temos  sido bem-sucedidos.

O cartaz sempre foi ecléctico, no entanto nota-se que têm o cuidado de acompanhar as tendências do público. Este ano menos rock, mais electrónica e hip hop…
Sim, no entanto nunca deixámos de parte esta vertente musical do rock. Nos Açores, as coisas funcionam um bocadinho de forma diferente. Embora nos últimos anos o nosso público já comece a ter uma nova abertura para aquilo que se faz no continente e no estrangeiro. O que nos permite alterar o cartaz de uma forma sustentada e cuidada. E, como disseste, temos sempre em consideração aquilo que o público espera. Mas não podemos nunca fugir à linha que queremos para nós: um festival de verão ecléctico. Mas que tende também a apostar em novas tendências, sem nunca esquecer que estamos a falar da realidade Açores, e não da realidade continente/Europa.

És um frequentador assíduo de festivais. Essa também é uma tendência em vários festivais?
É verdade (risos). É um trabalho relativo, ir a festivais. Estamos sempre a prestar muita atenção ao que se faz não só em Portugal como na Europa. E é uma realidade, o hip-hop é uma tendência cada vez mais abrangente, chega a cada vez a mais público e também notamos isso pelas próprias colaborações que os artistas de hip-hop fazem com outro músicos, seja do rock, da electrónica, R&B, reggae, enfim… O hip-hop está novamente em expansão depois da sua força nos anos 80 e 90 e é óbvio que tentamos acompanhar isso, prestando sempre atenção aquilo que se faz no exterior, nos festivais de renome, e em Portugal, como no Super Sock Super Rock, entre outros…

Qual o melhor festival que já foste no estrangeiro? Qual é a tua maior referência enquanto promotor?
Existem vários… Aquele em que me revejo mais tem sido o Pukkelpop, na Bélgica, porque é um festival transversal e o cartaz também segue uma linha de rock, electrónica, é ecléctico. Claro que estamos a falar de um festival que tem mais de 100.000 pessoas e tem 12 ou 13 palcos… Mas aquilo que mais me chamou a atenção e que mais me deixou satisfeito, foi a atitude do público e do ambiente que se gerava. Até à ocorrência destes últimos atentados, que infelizmente acontecem na Europa, eles podiam existir, mas eu não me lembro de ver um único polícia. Na segurança tínhamos as cabines de detectores de metais, mas não havia revista. Ou seja, era tudo muito tranquilo, as pessoas sabiam comportar-se, não havia ali má fé de ninguém, tudo se ajudava, era um ambiente muito agradável. E isso chamou-me a atenção. E, claro, principalmente pela oferta musical que o festival apresenta. Falei no Pukkelpop, mas também podemos enumerar o Rock Werchter, também na Bélgica, mais direccionado para o rock, o Glastonbury, o Reading Festival, entre muitos outros. Hoje em dia o que não falta são festivais fantásticos. Além, também, do EXIT Festival.

E por cá, estamos num bom caminho? Estamos ao mesmo nível?
Acho que até estamos um bocadinho à frente, tendo em conta a nossa realidade e aquilo que temos à nossa disposição. Vais ao NOS Alive e, se calhar, a única coisa que tenho a dizer de menos positivo é o facto de ir muita gente… O espaço está a começar a tornar-se pequeno para a adesão do público e isto também está a acontecer porque vêm muitos estrangeiros, de propósito, para o festival, o que comprova um bocadinho aquilo que estamos aqui a referir. O NOS Alive é já um grande festival a nível europeu, poderia ainda ser maior, mas o espaço não dá para mais (risos). Mas sem sombra de dúvidas, os nossos grandes festivais em Portugal não ficam nada aquém dos festivais europeus. À excepção de uma coisa ou outra em termos de produção ou em termos das empresas de som. Como é óbvio, não temos a mesma oferta que na Holanda, Alemanha e Bélgica que são os principais produtores de material de som da Europa. E é óbvio que não temos essas condições. Mas quem vai, por exemplo, ao Alive não nota nada disso, estou a falar em termos de qualidade de oferta, não é termos de dimensão.

O backline, por exemplo, são toneladas que têm que viajar de avião. Muitas vezes fazem mais do que uma escala, mais do que uma companhia aérea, são muitas horas de voos, são muitas pessoas a viajar, tudo isto complica e muito, seja a nível financeiro seja a nível logístico.

Quais são as principais dificuldades nesse campo, seja a nível logístico, de trazer uma banda (mais comitiva) à ilha, seja a nível de backline?
Sem sombra de dúvidas, a ligação intermédia, e tudo que daí advém, é complicadíssima. O backline, por exemplo, são toneladas que têm que viajar de avião. Muitas vezes fazem mais do que uma escala, mais do que uma companhia aérea, são muitas horas de voos, são muitas pessoas a viajar, tudo isto complica e muito, seja a nível financeiro seja a nível logístico. Levamos o ano inteiro nestas dificuldades e posso dizer que já tivemos muitos artistas este ano que estavam praticamente fechados e, assim que tomaram conhecimento das escalas e das ligações que tinham que fazer para cá chegar, e das dificuldades técnicas que temos, não aceitaram. Para além do sítio e para além de trazermos o material de fora, o Monte Verde acontece em Agosto, que é provavelmente o mês do ano em que há mais festivais em Portugal. Acabamos por ficar sempre com os restinhos, digamos assim (risos), e tendo em conta estas dificuldades, os artistas cancelaram-nos e isto acontece todos os anos e o que aconteceu no Tremor com Beak> é normalíssimo. Por exemplo, os Wolfmother vão trazer todo o material técnico mais específico com eles… A nossa sorte é que é uma comitiva relativamente pequena, são 4 pessoas a viajar, também ficámos surpreendidos na altura, pensávamos que vinha um batalhão de 15 pessoas, como é o normal. Todas as bandas de rock facilitam, é incrível.

O anos passado o Monte Verde quase esgotou e este ano tiveram também uma grande afluência. Se o festival crescer mais do que já cresceu, equacionam mudar de sítio ou a praia do Monte Verde será sempre o local de eleição?
Pergunta muito pertinente. Acho que o festival já atingiu o máximo, porque o local e as estruturas que temos disponíveis para aquele sítio exacto não dão para mais. O que podemos fazer daqui para a frente é reformular e temos isso em mente. Poderá passar por um aumento no preço dos bilhetes, mudar alguns aspectos logísticos… É uma realidade, não conseguimos, ainda, ter todos os materiais e toda a logística necessária para o festival estar a 100%. Fazemos aquilo que está ao nosso alcance e muitas vezes, como é o caso deste ano, recrutamos material do continente. Este ano, por exemplo, a Audiomatrix, provavelmente a maior empresa de som do país, até veio fazer o festival… Aliás, todos estes serviços especializados vêm do continente. O que acresce em muito o nosso orçamento e os nossos custos e depois é preciso não esquecer que cobramos, em média, 25/28 euros por um bilhete geral de três dias (mais campismo), e  por isso mesmo é complicado crescer tendo em conta esses valores.

Relativamente ao local, a nossa intenção será sempre manter. O festival apareceu e cresceu nesta zona e é aí que o pretendemos  manter, mas também temos que estar cientes que os Açores estão em desenvolvimento turístico e há muitos investimentos a serem feitos, principalmente nas zonas litorais. O terreno não é nosso e temos que ter isso em consideração, porque num futuro próximo poderá haver investimentos naquela zona. Vamos tentar defender o nosso local de nascimento, mas se não conseguirmos teremos que nos reajustar e, se calhar, fazer o festival noutro sítio. Mas sempre na cidade da Ribeira Grande.

Tentámos trazer tantos artistas e projectos espetaculares e não conseguimos ou porque já tinham a agenda cheia ou porque as ligações aéreas ficaram complicadas ou porque o material técnico que nós providenciávamos não era o mais indicado ou porque tinham que ficar cá retidos 2/3 dias e era complicado fazer a escala com outro concerto que eles tinham a seguir… não é fácil.

O ano passado estive presente e vocês esforçam-se também para dar a conhecer São Miguel aos músicos. Qual é o feedback das bandas?
Sim, tentamos fazer essa operação de charme, para compensar, de certa forma, aquilo que se calhar não conseguimos providenciar. Recordo-me de um caso engraçado, quer dizer agora é engraçado, na altura nem por isso, foi um stress para todos… Na segunda edição tivemos o Porter Robinson, foi a primeira vez de um artista de renome interessante, e lembro-me que por causa de ligações aéreas o material não conseguia vir a tempo e falhou quase tudo. Todas questões técnicos falharam, foi uma coisa… Aliás, ele ligou a dizer: «Não vou tocar aqui, não tem condições, transmitam já ao festival que o concerto não vai acontecer» e o nosso driver ligou a perguntar o que fazer. A solução foi: «Olha, leva-o às Furnas, leva-o a comer um cozido, às piscinas da Terra Nostra e, se der tempo, passa na Vila Franca para comer uma queijada». E a verdade é que se criou amizade com o artista e ele aceitou tocar em condições que, hoje em dia, não consigo perceber como as aceitou. Deve ter simpatizado mesmo muito com a nossa terra. Actuou e fez um grande show. É como disse, há que fazer aqui uma operação de charme, usar as nossas mais-valias, como a beleza natural, tempo e gastronomia. Para as pessoas também se aperceberem da realidade e se adaptarem.

Faltam 4 edições para os 10 anos. Como imaginam o festival nessa altura?
Aquilo que gostaríamos era ter um festival mais alternativo. Quando digo alternativo, refiro-me às propostas musicais, ou seja, a nossa ideia era trazer nomes emergentes do panorama europeu de festivais de música e não só a nível nacional. E que as pessoas adiram e tenham confiança naquilo que estamos a oferecer. Gostava que, daqui a 4 anos, independentemente dos nomes que trouxermos, as pessoas viessem porque o Monte Verde traz sempre algo interessante e mesmo sem conhecer o nome vai ser certamente um grande espectáculo. Faço questão de referir que o festival açoriano de referência é a Maré de Agosto, em Santa Maria, um festival de músicas do mundo. As pessoas vão não pelos nomes, vão porque sabem que vai haver boa música, bom ambiente. Também é o caso do Boom, que esgota os bilhetes ainda sem cartaz, é algo incrível.

Um dos nossos grandes objectivos é estarmos sempre a par das novidades tecnológicas que existem para festivais, este ano com o sistema “Bottoms up Beer” e a repetição da utilização do cashless, ou seja, tentar estar o mais actualizados possível em termos de logística e oferta para o bem-estar do público presente e, se possível, também internacionalizar e ter o máximo número de pessoas oriundas do estrangeiro, para que também passem a palavra e digam que aquelas ilhas minúsculas, ali no meio do oceano Atlântico, além de serem maravilhosas, têm um festival muito bom.

Foto: MM – Miguel Machado Photography