Quantcast
Um puto que nunca verá Michael Jackson

Um puto que nunca verá Michael Jackson

Nero

É comum um melómano lamentar-se por já não ter a oportunidade de ver algum artista em concerto. Faz hoje anos que passei a ter mais um lamento. Faz hoje anos que morreu o Michael Jackson.

Não sou um admirador fanático de toda a carreira de Michael Jackson, principalmente naqueles momentos mais ligeiros e, quanto a mim, pouco inspirados, mas cresci a ouvir o músico. O meu pai comprou o LP do “Thriller” era eu um petiz de dois anos. Obviamente que não discernia, nessa altura, a qualidade do trabalho mas, com o passar dos anos, com o aprender a manipular o gira-discos, fui-me tornando um ouvinte, depois um apreciador e finalmente um admirador. Aquele som híbrido entre o disco, o funk e o rock com um um groove infinito (aqueles ritmos ultra trancados). E, afinal de contas, acabou por ser o primeiro contacto que tive com o som de Eddie Van Halen, embora na altura não o soubesse. Por tudo isso, esse álbum tornou-se para mim uma referência emocional e musical. Os três álbuns co-produzidos por Quincy Jones e o álbum “Dangerous” serão, possivelmente, os melhores álbuns da história da pop.

Foi precisamente na tour de ‘Dangerous’ que Michael Jackson passou por Lisboa e me ficou uma mágoa que nunca poderei eliminar.

Foi precisamente na tour de “Dangerous” que Michael Jackson passou por Lisboa e me ficou uma mágoa que nunca poderei eliminar. Perto dos 13 anos de idade, numa era em que os Guns N’ Roses tinham explodido em Portugal, em que todos nós que éramos fascinados por guitarras sabíamos tocar o main riff de “Enter Sandman” (mesmo sem ainda saber tocar guitarra) e em que a ferocidade de Kurt Cobain começava a dominar o mundo do rock, confessar gostar de Michael Jackson era motivo suficiente para chacota e intimidação física entre putos. Nessa idade é-se mais fervoroso e fanático em relação a tudo.

É claro que cheguei a tentar explicar a alguns colegas que Eddie Van Halen, Steve Stevens ou o próprio Slash, no disco que vinha em tour, haviam colaborado com Michael Jackson. Mas quando putos dos 12 aos 15 anos se juntavam à sucapa para fumar cigarros e beber uma litrosa, enquanto se ouve o “Vulgar Display Of Power” dos Pantera num “tijolo”, não havia como parecer “pintas” ao dizer «curto Michael Jackson, vou ver o concerto». Ainda para mais apenas alguns meses depois de os mais rufias se terem tornado heróis, por terem ido ver o infame concerto da “banda mais perigosa do mundo”, que a imprensa ajudou a imortalizar no imaginário de putos, com referências a comas alcoólicos, orgias de drogas e sexuais, até mesmo violações, imagine-se…

Passem a vida em concertos, pois nunca sabem se daqui a 5 anos estarão a lamentar-se por terem perdido um.

Tudo isto serve de apologia para o pequeno idiota que eu era e que perdeu a oportunidade de ver um concerto que nunca iria esquecer. Em 2009, quando foram anunciados os concertos na O2 Arena, em Londres, os concertos esgotaram em horas, fiquei numa segunda lista à espera de desistências. Eu e a maninha, que estava disposto a emendar o erro a dobrar. Estar na segunda lista de “esperas” foi, por si só, motivo de regozijo, afinal havia cerca de 4 ou 5 listas. Mas o Michael morreu, vinha do concerto de apresentação do segundo álbum dos Process Of Guilt quando a rádio deu a notícia, parei o carro incrédulo e triste e culpei aquele puto idiota à procura de ser “pintas”.

Finquem o pé pela música que gostam (menos se gostarem de Trovante ou Coldplay). Vão ver bandas que gostam e bandas que não conhecem tão bem, passem a vida em concertos, pois nunca sabem se daqui a 5 anos estarão a lamentar-se por terem perdido um.