Quantcast
Steven Wilson: Versatilidade e evolução

Steven Wilson: Versatilidade e evolução

António Maurício
Camila Jurado

Em entrevista à Arte Sonora, Steven Wilson falou-nos da viagem pop que é “To The Bone”, do seu ADN musical e de Porcupine Tree.

Steven Wilson é um músico imprevisível. A sua discografia caminha tanto pelo rock progressivo, como pela música electrónica, música ambiente, e agora com “To The Bone”, pela música pop. Estivemos à conversa com o músico inglês, que tem concerto marcado em Portugal para janeiro de 2018, para saber mais sobre o novo álbum, percurso musical e claro sobre o futuro de Porcupine Tree.

O teu novo álbum “To The Bone” é muito mais pop, até a capa do álbum reflete esse sentimento. Achas que os fãs dos teus trabalhos prévios vão apreciar este projeto ou estás a espera de ganhar novos fãs e uma maior audiência?
A resposta à tua pergunta é um bocado disso tudo. Primeiramente acho que vão sempre existir alguns fãs que não me vão querer acompanhar em todas as jornadas musicais, e cabe ao artista perceber que precisa de mudar, de evoluir e desafiar-se a si próprio. E como tu apontaste, este álbum tem uma sensibilidade pop muito maior nas suas músicas, um bocado mais conciso, mais direto. Agora, imagino que alguns dos meus fãs me vejam como um artista de rock progressivo que faz músicas de 10-15 minutos, e isto não é aquilo que eles querem. O que não tem nenhum problema, nem toda a gente vai querer vir comigo nesta particular viagem musical. Mas como tu disseste, ao mesmo tempo, há sempre potencial com um novo álbum, com cada mudança de direção vão aparecer novas pessoas que gostam deste álbum, mas não gostam dos meus álbuns anteriores. E sei que isso está a acontecer porque estou sempre a conhecer pessoas novas. Há este sentido que se regenerares a tua abordagem musical, também há este aspeto de regenerares a tua audiência, perdes alguns fãs antigos mas fazes alguns fãs novos. Isso é muito positivo porque a coisa mais importante para mim como artista é sentir que estou a andar em frente, a mudar e a evoluir, é uma coisa fundamental para a maneira como me vejo a mim próprio.

Se estiveres sempre a fazer o mesmo tipo de álbum, com a mesma sonoridade, enquanto músico podes ficar aborrecido…
Sim, e era neste campo que as pessoas diziam que o David Bowie era mesmo muito bom. O David Bowie era um mestre a mudar de direções. E para mim, ele é um dos melhores, senão o melhor artista pop de sempre. Porque estava constantemente a reinventar-se a si próprio e é isso mesmo que os grandes artistas fundamentalmente fazem, mudam e levam a sua audiência com eles.

Faz sentido dizer que o Paul Stacey teve uma grande influência neste novo álbum? Fala-nos sobre a sua contribuição?
Muita influência. O Paul não é alguém que esteja muito a par do meu passado, não era uma pessoa que conhecia os meus álbuns iniciais. Mas foi uma pessoa que se conectou muito bem. A primeira vez que estivemos juntos, basicamente só falámos sobre o tipo de álbum que eu imaginei fazer. Falámos sobre alguns artistas que seriam fortes pontos de referência para o projecto e ficamos sentados a ouvir música, e descobrimos que tínhamos muito em comum, uma visão muito semelhante sobre o que podíamos fazer juntos. E o Paul foi muito bom em fazer com que eu pensasse em mim com um cantor, ao contrário de ser só o gajo que escreve canções e que por acaso também as canta. Fez-me pensar em ser um cantor, fez-me pensar em projetar a voz, fez-me pensar em tentar colocar mesmo as emoções nas músicas. Isso é o que um grande produtor é capaz de fazer, é capaz de tirar o melhor de um artista. Por isso foi uma experiência fantástica e definitivamente alguém que também colocou o seu selo no som do álbum.

Se há uma coisa em que tenho talento é em juntar vários estilos diferentes de música, juntar diferentes abordagens, diferentes colaboradores no que  acredito ser um experiência coesa e lógica dentro de um álbum.

Trabalhaste com muitas pessoas diferentes no álbum. Não é difícil organizar múltiplas perspetivas e sons no mesmo projeto?
É muito difícil sim (risos). Honestamente, acho que se tenho um talento para alguma coisa, porque não penso que seja um grande guitarrista, ou um grande cantor. Mas se há uma coisa em que tenho talento é em juntar vários estilos diferentes de música, juntar diferentes abordagens, diferentes colaboradores no que  acredito ser um experiência coesa e lógica dentro de um álbum. E lembra-te que eu já faço isto há muito tempo, por isso acho que me tornei melhor ao longo destes anos. Mas sim, grande parte do que eu faço é juntar todos estes elementos e torná-los em algo que se revela completo e lógico como um todo.

És conhecido por ser bom em múltiplos estilos e géneros e a tua influência na música moderna é bastante impressionante. Qual é a tua ética de trabalho? Pensas e planeias antes de começar a trabalhar numa música ou simplesmente começas e tocar e vês o que sai…
Uma das coisas que não faço mesmo é sentar-me e decidir o que vou compor. E digo isto porque acho que algumas pessoas pensam que é isto que faço, mas não é. Não me sento a pensar «vou fazer uma música eletrónica hoje» ou «vou escrever uma música pop» ou «vou compor uma música ambiente», o que quer que seja. Tenho vários tipos de música no meu ADN musical porque tenho uma paixão por diferentes tipos de música. Amo música eletrónica, amo música progressiva, eu amo metal, eu amo jazz, eu amo pop, eu amo música industrial, o que quer que seja. Isto porque genuinamente oiço e amo estes tipos de música. Por isso o meu subconsciente absorve todas estas coisas diferentes. E já agora, não é só música, são filmes, são livros, é o que está a acontecer nas notícias, o que está a acontecer na tua vida, na vida dos teus amigos e dos teus familiares… e todas estas coisas entram dentro de ti… por isso quandote sentas para compor uma música, estas coisas quase que se revelam, e revelam-se de uma forma muito natural e intuitiva. Não é uma coisa auto-consciente para mim, e às vezes nem estou a perceber que tipo de música estou a fazer até ter terminado. E eu gosto disso. Compor música é um processo muito orgânico para mim.

Fazes sempre álbuns muitos distintos. Consegues dizer qual deles te deu mais trabalho? Ou qual foi o maior desafio que já enfrentaste até agora.
Essa é uma pergunta muito difícil, deixa-me pensar um pouco… Sei que isto parece ser a resposta mais fácil, mas eu vou dizer este último. E a razão pela qual “To The Bone” foi o mais difícil, é porque os elementos pop não são elementos que saem naturalmente para mim. Quer dizer, até saem, porque eu amo e cresci a ouvir pop, mas sempre achei muito mais fácil compor uma música longa e complicada de rock progressivo, rock conceptual, o que lhe quiseres chamar. E sempre foi muito difícil para mim escrever uma música concisa de 4 ou 5 minutos, e aqui, temos um álbum quase todo feito de peças pequenas e concisas. Deu mesmo muito trabalho. Foi difícil fazer isso e ficar focado. Compus mais ou menos 14 músicas, e escolhi as 11 que aparecem no álbum. Por isso existiu um processo de “filtrar” as que senti que eram as mais convincentes e aquelas com que estava mais satisfeito. Por isso vou dizer que “To The Bone” foi o mais difícil, mas claro, também o mais gratificante.

A outra grande mudança neste álbum é que apaixonei-me completamente por uma Fender Telecaster, e isto é mesmo uma grande mudança.

Estudaste música em escolas ou instituições? Ou és autodidata?
A resposta é ambos. Estudei porque os meus pais meteram-me em lições de guitarra e piano quando era criança, mas odiei. Odiava ter que fazer coisas de uma forma académica, eu só queria compor músicas… Por exemplo, o professor de piano mandava trabalho para casa e dizia «o teu trabalho de casa é aprender esta peça de piano de Bach ou Mozart…» Voltava lá uma semana depois e ele dizia «aprendeste a peça de piano?» e eu dizia «não! Mas escrevia uma peça de piano minha» e claro, o professor ficava mesmo irritado comigo, não era isso que ele queria que fizesse. Depois de um tempo os meus pais acabaram por perceber que estavam a desperdiçar dinheiro e tempo. Por isso, acabei por ser alguém que descobriu o seu próprio vocabulário musical basicamente a ouvir música. Ouvi álbuns de outras pessoas, ouvi álbuns dos Pink Floyd, dos ABBA, ou o que quer que seja que eu estava a ouvir no momento. Essa foi a minha educação, foi assim que aprendi a fazer álbuns, e foi assim que desenvolvi a minha imaginação para ser um produtor. Queria ser o arquiteto de um álbum, a pessoa que tem este tipo de visão e que, como estavas a dizer anteriormente, junta estas pessoas diferentes e quase que vê a situação como um realizador de cinema, vê a expressão da peça musical. Por isso aprendi basicamente a ouvir álbuns.

Actualmente, qual é o teu instrumento de eleição? Ou o que estás a usar mais?
A outra grande mudança neste álbum é que apaixonei-me completamente por uma Fender Telecaster, e isto é mesmo uma grande mudança. As pessoas que têm seguido a minha carreira vão saber quão grande esta mudança é porque sempre toquei com PRS, quase toda a minha carreira. Num período inicial  tocava com uma Fender Stratocaster mas nos últimos 15/20 anos sempre toquei PRS, sem falhar. E este álbum é todo Telecaster, é completamente inesperado vindo de mim. Quando comecei a escrever algumas das primeiras músicas do álbum todas as minhas guitarras ou estavam em tour, ou estavam armazenadas. A única guitarra que tinha disponível era esta Telecaster mexicana que comprei há 10 anos atrás e nunca tinha utilizado, estava apenas no canto do estúdio. E como era a única guitarra a que tinha acesso, decidi pegar nela e acabei por ficar apaixonado pelo seu som. Entretanto comprei uma Fender Tele Custom Shop de 1963, mesmo muito bonita, e é com ela que vou tocar nesta tour porque todas as guitarras neste álbum são Telecaster, basicamente. Por isso atualmente estou completamente apaixonado com a minha nova Tele de 63.

Existe algum um pedal específico que te influenciou a compor uma música? Do género, depois de ouvires o som, sentiste que tinhas mesmo que trabalhar com aquele equipamento?
Um pedal? Hmmm nem por isso. Não porque na verdade não uso muitos pedais, uso mais plugins. Plugins de computador para processar os sons, para pegar num som e torná-lo quase abstrato, até ao ponto em que tu já nem o reconheces como um som de guitarra. Há muito disso no “To The Bone”. Sons que provavelmente pensas que são de um teclado, mas na verdade provêm de uma guitarra, foram processados através de plugins… Tenho uma pedalboard de que gosto muito, mas não há nenhum pedal que eu posso indicar e dizer «este é um pedal muito importante para mim»…

Para finalizar, deixa-me perguntar-te por Porcupine Tree. Achas que há a possibilidade de talvez, no futuro, compores nova música com Porcupine Tree?
Não… Quero andar em frente, não para trás. Se voltarmos ao início da nossa conversa, sobre o que significa mudar e evoluir e ser um artista e desafiares-te a ti próprio… Seria um enorme passo atrás para mim. Não quero. Os álbuns estão disponíveis para as pessoas ouvirem. Atualmente sinto, e alguns fãs vão discordar, que estou a fazer a melhor música da minha carreira e estou a fazê-la de uma forma que me dá uma liberdade criativa muito maior, flexibilidade para trabalhar com músicos diferentes, para trabalhar com produtores diferentes, para fazer coisas com os concertos visualmente que não podia fazer no contexto de uma banda. Com os visuais, com as animações, com os écrans e isso tudo… Não sou uma pessoa muito nostálgica, e gosto de andar para a frente e não para trás. Peço desculpa às pessoas… Estou muito orgulhoso desse trabalho e também muito feliz que as pessoas gostem, e estará sempre disponível… Já agora, eu toco muitas dessas músicas nos meus concertos!