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O som de Stevie Ray Vaughan

O som de Stevie Ray Vaughan

Nero

Aquela sonoridade áspera e seca, aparentemente simples, de Stevie Ray Vaughan tem várias camadas de construção.

Quando é tantas vezes repetido, inclusivamente pela AS, que o som de Stevie Ray Vaughan [SRV] mudou o blues, essa noção é também bastante explícita no setup do guitarrista. Claro que o fogo distinto da sua guitarra tinha o seu maior combustível naquilo que é único a cada músico, as suas próprias mãos. Mas vale a pena dissecar o som de Vaughan que, mais que de pedais, era bem solidificado com uma amplificação monstruosa.

O coração da amplificação de SRV era um Fender Vibroverb, de 1964. Um par deles, para ser exacto. Cada um com altifalante único de 15”, através das quais SRV extraía o seu som de overdrive. A um deles, SRV ligava, ainda, a sua rotary speaker Fender Vibratone (um modelo bastante aproximado a uma Leslie Model 16). Para o som limpo, o guitarrista usava um vintage Marshall 4140 Club & Country, capaz de um headroom assombroso, daí o texano usá-lo como fonte de som limpo e não overdrive, como é tradicional usar-se os Marshall neste tipo de rigs.

Quando começou a actuar em espaços mais amplos, surgiram no seu rig, progressivamente, os blackface da Fender, da década de 60, os Super Reverb. Tal como os Vibroverb, estes amps são alimentados por um par de válvulas 6L6. 40 watts de potência pode parecer pouco, mas esse factor era largamente compensado pelo facto de estes amps possuirem 4x altifalantes de 10”, o que lhes dava um headroom gigantesco. Eventualmente, os Super Reverb viriam a substituir totalmente os Vibroverb (SRV passou a manter apenas um destes modelos como fonte sonora para o rotary speaker). Na sua última digressão, SRV já usava um par dos, à altura, recentes Fender ’59 Bassman Reissue.

Um amp que, desde o momento em que o descobriu e até ao final, esteve sempre no rig de SRV foi o Dumble Steel String Singer. Vaughan deu-lhe a alcunha de King Tone Consoul

Um amp que, desde o momento em que o descobriu e até ao final, esteve sempre no rig de SRV foi o Dumble Steel String Singer. A primeira vez que um destes modelos de boutique foi nas sessões de gravação de “Texas Flood”, em 1982. No caso, um Dumble de baixo, com 300 watts, com o qual gravou a grande parte dos temas. Impressionado, SRV encomendou o seu modelo, uma bestinha que possuía válvulas 6550 e uns tremendos 150 watts de potência. Para o sonorizar, SRV encomendou uma coluna 4×12 com altifalantes Electro-Voice. Vaughan deu-lhe a alcunha de “King Tone Consoul”. Numa busca constante por mais potência, o guitarrista encomendou outro Dumble, em 1986, mas entretanto usou e abusou de um lendário Marshall Major Lead, um modelo de 1967, com 200 watts de potência. Também ficaria para sempre com este cabeço, mesmo quando passou a usufruir do par de Dumbles de 150 watts!

O rig completo de Stevie Ray Vaughan por volta do ano de 1985, o "ponto rebuçado" do som do texano.

O rig completo de Stevie Ray Vaughan por volta do ano de 1985, o “ponto rebuçado” do som do texano.

Nos efeitos, SRV era mais “comedido”. O guitarrista não abdicava do lendário Tube Screamer, por toda a web há inúmeras discussões sobre qual a versão do pedal o guitarrista usava como boost nos seus solos em modo clean. A sua obsessão por Hendrix ditou o resto dos pedais, um Dallas-Arbiter Fuzz Face e um Tycobrahe Octavia, que lhe dava aquele registo de uma oitava acima no fuzz, tal como Hendrix possuía. E, claro, o wah-wah Vox V846 que pertenceu, originalmente, a Jimi hendrix. Este pedal foi um presente de Jimmie Vaughan para o seu irmão mais novo. Jimmie actuou num mesmo cartaz que a Experience e, no final do concerto, comprou a Hendrix o pedal.

Naturalmente que as suas guitarras só podiam ser uma coisa, lendárias! Desde logo, a mais famosa guitarra totalmente “espancada” de todos os tempos, a “Number One”. Uma das inúmeras Fender Stratocaster que SRV possuiu. A “Number One” é uma Stratocaster de 62 ou 63, Vaughan sempre afirmou ser um modelo de 59. O braço, equilibrado em toda a escala, possui um intervalo de .012” entre o 7º e o 9º traste. O raio de escala possuiu 7.25”, característica dos modelos anteriores às escalas curvas introduzidas na “era CBS” da Fender. Foi este modelo que inspirou a Fender Artist Signature de SRV, lançada pela primeira vez em 1992, considerada por muitos uma das melhores Strats de sempre.

SRV number one

Outros modelos famosos são a Strat “Yellow” e a “Red”. A “Yellow” é um modelo de ’59, com o corpo “escavado”. O propósito originário era inserir vários humbuckers, mas a guitarra acabou com um único single coil Fender Strat na posição do braço e com um novo pickguard, com as letras “SRV” pintadas. A “Red” é um modelo de 1962 que permaneceu parado até 1986, altura em que recebeu um braço de canhotos, passando a exibir a cabeça invertida. As outras Fender Stratocaster que o guitarrista tornou famosas foram a “Scotch”, um modelo de 1961, e a “Lenny”, modelo de 62 ou 63 que a esposa de SRV lhe ofereceu. Diz-se que esse modelo recebeu um braço de maple, com o perfil dos anos 50 da Fender, que foi oferecido a SRV pelo próprio “Señor” Billy Gibbons.

As outras duas Stratocaster, apenas superadas em importância pela “Number One”, não são modelos da Fender, mas sim modelos custom. Um desses modelos é a “Main”, construída por James Hamilton, e um presente de Billy Gibbons para o guitarrista. É um corpo de duas peças de maple, em neck-trough. Originalmente, possuía pickups EMG que SRV descartou. A escala é em ebony, com as inserções perladas que dizem “Stevie Ray Vaughan”. O outro modelo é a “Charley”, construído por Charley Wirz em 1983. A guitarra possui três pickups lipstick Danelectro. Muitas das vezes que tocou “Life Without You”, SRV usou a “Charley, afinal diz-se que esse tema era uma dedicatória ao seu amigo e luthier Charlie Wirz.

EDIT: Vale a pena lembrar o reparo de Fred “Cut Slack”, que refere a importância no som final do bluesman das cordas de calibre .13 que usava numa afinação meio tom mais grave (em relação à tradicional).