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FESTIVAL OPTIMUS ALIVE’11 [07.07]

Nero

A começar a segunda noite, ainda com o sol bem alto, Jonathan Higgs e os seus Everything Everything mostram-se numa toada calma, perante uma plateia do palco Super Bock na mesma onda, com o seu indie rock com toques art. Aqui e ali levando uma ovação mais expressiva, mas era só para ficar a saber-se quem eram ao vivo. Da Chick, já depois da abertura de Yardangs, que a AS não apanhou, teve uma prestação brutal. O electro do trio, ainda não se sabia naquele momento, mas acabaria por revelar os caminhos dum dos grandes factores da noite – a força que os beats de dança tiveram no segundo dia do Alive, que se mostrou muito mais dentro dos pârametros de qualidade e emotividade que se exige a este festival e cuja própria organização apregoa.

Já se via muita gente a “estacionar” em frente ao palco principal, com muitas t-shirts de Nirvana vestidas e até Iggy Pop parecia fazer adeptos se imiscuirem num cartaz de sonoridades mais vivas que o punk – afinal deu mesmo para ver uma t-shirt do saudoso e único Johnny Guitar. Enquanto a frente do palco principal se ia expandindo, os Jimmy Eat World surgem a abri-lo. Certinhos e com um backline que metia respeito: uma Gibson SG emparelhada com um AD30; uma Tele com um Vox e, no baixo, Ampeg com Jazz Bass. Tudo apontava para sonoridade com escola, mas se os instrumentos não são nada sem músicos, os músicos também não são só os intrumentos que usam e os Jimmy Eat World mostraram-se com um emo rock com alguns toques de punk americano e uma voz a fazer lembrar Brian Molko, contudo todas as permissas não formam um cânone. O som mostrou-se pavoroso devido a uma ventania fortíssima que perpetuou um efeito flanger no som de frente. É um problema que a organização continua a ter que resolver.

De qualquer forma as atenções de quem procurou algo mais sério foram totalmente correspondidas no palco Super Bock, com o ENORME concerto de Seasick Steve. A profundidade das raízes bluegrass e delta blues do som de Seasick Steve revelam o significado da alcunha Seasick – não há no seu som nenhuma influência vinda do mar, nada a não ser firme solo sulista, quanto muito há algo que nos transporta para os pântanos do Mississippi. Som esse munido por uma Thunderbird a cair de podre, uma guitarra que parece uma Fender Coronado, com um um humbucker Harmony preso por fita-cola! E apenas 3 cordas, “a piece of shit” diz Steve, “but I guess somebody has to play it” e poucas vezes um pedaço de merda soa tão bem como o fez neste concerto. O guitarrista veterano irá ainda mostrar-nos um Diddley Bow – uma tábua com uma corda apenas pregada a uma ponta e presa na outra extremidade a uma lata de conservas, para criar alguma ressonância, tocada naturalmente em slide, algo em que Steve é um mestre, uma ponte entre John Lee Hooker e Jimmy Page. Entre estes instrumentos, acrescidos de uma guitarra indescritível e um banjo electrificado, e o som de um Roland CUBE a cair aos bocados está uma Gretsch, na qual sobressai um prato ride que é um “cadáver” de metal, atrás do kit senta-se Dan Magnusson – um baterista gigante. Seasick Steve conta-nos que descobriu que um dos seus avôs era um açoriano de S. Miguel, o Sr. Melo, e promete voltar cá. Conta-nos também um blues personalizado, sobre a dureza e maus tratos a que foi sujeito na sua infância pelo seu padrasto que pensou assassinar “but it would be a bad plan, I’d go to jail for life”, assim saiu de casa sem ter tido ensino escolar e a guitarra tornou-se o seu sustento.O pasmo pelo corpo tremendo destes instrumentos de ferro-velho e a autenticidade genuína deste bardo do Far West vai-nos fazendo pensar que esta é a sonoridade que Ben Harper já em muitos trabalhos procurou ter, mas cuja profundidade nunca atingiu. Afinal não é quem quer nem quem pode, é quem É! Não se mostrou apenas como candidato a um dos concertos do festival, mas também do ano.

My Chemical Romance chegam da playlist da televisão musical e dão mais pop à plateia do palco primário, os temas são todos fáceis de trautear e apenas “The Black Parade” faz sonhar com algo que não seja comparável a Green Day, ou qualquer outra banda que tenha derrapado dos caminhos punk rock para “na na na´s” e outros desenfreados devaneios que façam sentir rebelião nos presentes. Ainda assim os guitarristas portaram-se bem e tiveram o público consigo.

Surgem os incontornáveis Xutos & Pontapés, Zé Pedro (recomposto da doença) sobe a solo e agradece o apoio da massa associativa lusa à sua intervenção cirúrgica e, entre momentos de declaração de amor à sua companheira, um adeus sentido a Angélico e guarda um segundo para Zé Leonel, lembrando o co-fundador dos Xutos a quem dedica “Sémen” para o arranque da actuação, segue “Ai Se Ele Cai” e “À Minha Maneira” abre a caixa de sucessos. Com um fundo de palco bem vistoso dão música da boa, da nossa e deste nosso país. Surge “A Minha Casinha”, mas ainda é cedo para retirar a equipa de campo. O terminar da actuaçao de Xutos segue-se com a mesma satisfação de uma “caracolada” e, assim que possa, é para repetir, sem que a alusão à sazonalidade do petisco melindre ninguém. Os Xutos, goste-se ou não, são os Xutos.Os Bombay Bicycle Club foram uma das grandes desilusões desta edição do Optimus Alive, muito presos a um formato que começa a esgotar-se, a um universo de sonoridades que se convencionou chamar indie, com uns toques de neo folk, e sempre muito previsíveis. A banda sentiu mesmo que o público estava a desistir do concerto e acabou por fazer o mesmo.

Iggy Pop regressa com os The Stooges. Dinossauro não lhe fica bem, a sua figura será mais um MILF no masculino. Esta representação representa o flirt que os seus agudos provocam nos ouvidos e nos dos mais esquecidos, que teimam esquecer as referências, e também para esses dá um concerto rock n’ roll com todas as sílabas. Toca a aprender rapaziada, aqui quem manda é o desejo, é o rock, é Iggy And The Stooges. Não faltam “Raw Power” nem “Search And Destroy” a abrir; termina com “Your Pretty Face” e “Penetration”, já no encore. Pelo meio houve “Gimme Danger”, “Skull Thing” e tudo a que temos direito, desde o novo álbum aos clássicos. 64 anos a fazer inveja a muita gente nova, em atitude, irreverência, competência e até visual. Grande.´

Era a altura de Primal Scream e da mostra de “Screamadelica” num outro concerto colossal. Os Black Crowes ou mesmo Rolling Stones da fusão com a música electrónica provaram em Algés que são uma das bandas mais subvalorizadas na história da música. Um som com um corpo perfeito, uma coesão tremenda e rebuçados como o processamento da voz de coro, cujas harmonizações criavam a dimensão de um coro de 5 ou 6 vozes, como foi registado por Denise Johnson no álbum, ou do grande trabalho de saxofone. Os backups samplados nunca surgiram “por cima” da banda e isso permitiu a criação de dinâmicas irresistíveis cuja sonoridade só foi prejudicada pela intrusão do som de outros palcos ou de homens que lutam por aparecer munidos de megafone. “Higher Than The Sun” cria uma fusão perfeita entre a atracção da banda pelo trip hop e o psicadelismo dos anos 60 e mesmo aquele misticismo dos The Doors numa viagem psicotrópica de cerca de 15 minutos. Então quando Bobby Gillespie nos pergunta “Lisbon are you ready to come together”, bom pensávamos que já o havíamos feito… fora de “Screamadelica” os escoceses ainda nos presentearam com “Country Girl (“Riot City Blues”) e “Rocks” (“Give Out But Don’t Give UP”) num final apoteótico.

Desde que ouvi os registos em estúdio que fiquei adepto dos guitarristas dos Golpes e foi bom confirmar essa sensação ao vivo. Uma banda para a qual menos é mais e que possui algo que não é assim tão comum na música, saberem tocar uns com os outros e uns para os outros num entrosamento exemplar. Se a assistência se encontrava despida foi surgindo em frente do palco à espera de ouvir, claro está, “Vá Lá Senhora” em que surgiu o convidado Pregal da Cunha o que motivou uma versão de “Paixão” também. ´

00:29h pára tudo! Um solo de um minuto de Dave Grohl e surge “Brige Burning” em grande agressividade, mais rock n’ roll! Segue-se “Rope” e “The Pretender” e, aqui sim, já toda a gente sabe do que se está a falar. “My Hero”, “Learn To Fly”, e pergunta ao público se “alguém quer ir para casa”, mas não, ainda não vai dar.”White Limo”, single que gravou com a lenda Lemmy dos Motörhead, e segue o desfile de temas: “Monkeywrench”, já a meio da actuação e entre suspiros do público e aplicação da banda, faz parecer que o concerto vai durar a noite toda. Mas depois de 24 temas e mais de 2 horas de concerto, com clássicos como “All My Life” e “Times Like This”, uma versão especial de “Tie Your Mother Down”, deu para tudo, ou quase, num concerto que vai ficar na memória. Até “Everlong” surge acappela e depois, na explosão do refrão e já com os regressados e notoriamente cansados restantes Foo Fighters, não há caça aos ovnis que resista. Saem com a promessa de a cantarmos novamente juntos, de repetirmos tudo novamente. E se há sentido na teoria de que a insanidade é fazer as mesmas coisas e esperar um resultado diferente, então até breve Dave!

O palco secundário não resistiu à razia provocada pelo surgimento em cena dos Foo Fighters e a audiência ganhou uma paisagem desoladora. Felizmente Kele Okereke estava decidido a divertir-se e a premiar quem resistiu ali para o ver. Um concerto que teve apenas três músicas de Bloc Party e fugiu a um simples exercício de ego, com uma força tremenda muito por culpa duma senhora baterista fenomenal! Who says women can’t drum? Um electro poderosíssimo, positivo e vibrante que ainda chegou a atrair alguns hesitantes do palco principal. Grande concerto, uma das surpresas da noite, muito pela atitude perante uma plateia vazia, hoje os que viram o concerto dirão “sim, não vi Foo Fighters, mas Kele foi um dos melhores concertos do festival!”.

Os Teratron sofreram do mesmo mal, muito pouco público, contudo a banda surgiu com uma “pastilhada” de som avassaladora. Um peso tremendo a provir da fusão entre sintetização, beats e amplificadores. A entrada com Adolfo “Luxúria” arrasou e só foi pena New Max não poder estar presente. De resto, o poder sonoro que exalava do PA extravasou a geografia do palco Super Bock e acabou mesmo por trazer mais gente a prestar atenção a este grande projecto nacional. Quem não esteve de início perdeu a introdução em jeito de trocadilho, com um dos temas da banda sonora de Tron Legacy. Foram os Tera-Tron e ganharam também o concurso de t-shirts com uma de Twisted Sister e uma dos Goonies.A estas duas bombas sonoras seguidas seguiu-se o petardo que foi a actuação dos Bloody Beetroots. O público que não desistiu do festival depois do final da actuação dos Foo Fighters foi severamente punido num ritual sangrento para os ouvidos. À boleia de trilhos que Daft Punk, Soulwax, MSTRKRFT ou Justice abriram, os Bloody Beetroots Death Crew 77 mostraram as possibilidades que surgem por detrás das portas que o electro trouxe ao rock. Aliás é exemplo disso a versão de “New Noise”, um original de Refused. Que poder e vibração. Às 04h uma enorme multidão respondia ao final apoteótico dum segundo dia em que o Alive mostrou as garras e que elevou os padrões, deixando no esquecimento o que foi o dia de abertura, a milhas de qualidade daquilo que aconteceu neste dia.