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The Kills, Cigarros & Algodão Doce

The Kills, Cigarros & Algodão Doce

2016-11-03, Coliseu dos Recreios, Lisboa
Carlos Garcia
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Concerto de rodagem do último álbum “Ash&Ice”, mas também concerto de comunhão em nome próprio, depois de várias passagens em festivais. Os The Kills foram assim por uma vez os anfitriões, e o público atendeu à convocatória enchendo a sala.

O Coliseu dos Recreios terá, por esta altura, incorporado nas suas paredes e nos seus estuques, tamanha quantidade de reverberação que temo o dia em que algum presidente da câmara, devotado ao camartelo, decidisse deitá-lo abaixo: o potencial de acção libertado detonaria a região de Lisboa e vale do Tejo com tal potência que faria 1755 parecer uma pedra num charco. Dias antes das eleições presidenciais que em grande parte vão determinar a possibilidade de vivermos, ou não, num mundo minimamente sano, Alison Mosshart e Jamie Hince, os The Kills, vieram adicionar alguma da sua própria potência musical ao substrato das portas de Sto Antão.

Alison parece a miúda da máquina de algodão doce, que fez um desvio pela porta dos fundos e decidiu que os bastidores da feira popular são mais atractivos que a fachada.

A abertura foi feita com “Heart of a Dog”, um dos singles de “Ash&Ice”. Nervosa e pulsante, com um a batida metronómica a dar o tempo, é a introdução lógica para conduzir este ou qualquer outro público, de bulício dos corredores e das ruas e das vidas, para o espaço dos corpos e das luzes. A figura de Alison desenha-se no palco como uma silhueta frenética de cabelo, cabedal e entrega. Ela é leal a um público que há muito esperava o seu concerto com esta banda. “U.R.A. Fever” regressa ao passado de “Midnight Boom”, mas mantém a toada compassada de quem não quer já seguir para um ponto de explosão. “Kissy Kissy” é do primeiro álbum, blues pós modernos, de quem rasteja lenta mas afincadamente em direcção a um ponto fixo do horizonte. O som quente envolve o veludo e o palco barroco do Coliseu em tons de deserto morno.

“Hard Habit to Break” é o regresso ao novo álbum e vem com um ritmo que seria quase pop e dançável não fosse pelo riff stalker e obsessivo que vem da guitarra de Hince. “Impossible Tracks” tem o refrão irresistível e a consciência que o som dos The Kills vive nesta tensão entre o duro e o delicado. “Doing to Death” abaixa o ritmo, e leva o coliseu a cantar o «oh oh oh». Mais uma vez, o flirt musical com o doce e “cantarolável”: Alison parece a miúda da máquina de algodão doce que fez um desvio pela porta dos fundos e decidiu que os bastidores da feira popular são mais atractivos que a fachada. “Black Ballon” seria a banda sonora perfeita para essa transição de mundos.

Há concertos tão bons que deviam ser como o vinil: ao chegar ao fim, vira-se e toca-se o lado B!

“DNA” e “Baby Says” são a primeira incursão da noite em “Blood Pressures”, sinuosa e desafiante a primeira, fuzzy e esperançosa a segunda, ambas músicas de embalar adultos “insomníacos” em noites de angústia existencial. Esta não é uma dessas noites. “Tape Song” tem, ao vivo, mais impacto na descarga do refrão e “Echo Home” é uma emissão “bluesiana” a ser enviada na calada da noite, em direcção a um posto de recepção inexistente. O pulso volta a acelerar com o riff imediatamente reconhecível de “Future starts Slow”, e assim se mantém com “Whirling Eye”. “Pots and Pans” ecoa e reverbera pela sala do Coliseu como o aviso subentendido que é, e termina-se com o mantra simiesco de “Monkey 23”.

O público do Coliseu não deixa a banda apartar-se do palco por muito tempo. O encore começa com “That Love”. Seria uma balada se este duo escrevesse baladas. Assim é só música de desapontamento, de cortar as cordas umbilicais de nados mortos. E “Siberian Nights” é disco negativo, de gelo e acidez, música de discotecas no, cada vez mais, não existente circulo polar árctico, música tão cool que causa frieiras no ouvinte. “Love is a Deserter” e ” Sour Cherry” são as últimas da noite. Este concerto voou como todas as coisas boas da vida. E há concertos tão bons que deviam ser como o vinil: ao chegar ao fim, vira-se e toca-se o lado B!

Foto: Eduardo Ventura

SETLIST

  • Heart of a Dog
    U.R.A. Fever
    Kissy Kissy
    Hard Habit to Break
    Impossible Tracks
    Black Balloon
    Doing It to Death
    Baby Says
    DNA
    Tape Song
    Echo Home
    Future Starts Slow
    Whirling Eye
    Pots and Pans
    Monkey 23
  • That Love
    Siberian Nights
    Love Is a Deserter
    Sour Cherry