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Wild Beasts: A masculinidade tóxica

Wild Beasts: A masculinidade tóxica

2017-07-07, NOS Alive, Passeio Marítimo de Algés
Carlos Garcia
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Os Wild Beasts vêm ao NOS Alive na senda do lançamento de um álbum que estabelece uma mudança em relação ao seu som.

“Boy King” é uma aventura no campo minado do conceptualismo, engendrando uma abordagem da masculinidade tóxica.

É por isso curioso que tenham tocado no seguimento de duas bandas exclusivamente femininas. Alguém anda a fazer o trabalho de casa na organização. Não que o facto de um agrupamento ser composto por mulheres o torne automaticamente um manifesto de feminismo, mas a verdade é que o poder visual e sonoro de ter 3, 4, 5 mulheres em palco ser sempre algo que se destaca por si, fala muito sobre as desigualdades ainda inerentes no mundo actual. Afinal ter rostos exclusivamente masculinos em palco nem sequer é algo que provoque qualquer tipo de reflexão, é apenas o status quo e, como tal, invisível. E o feminismo é um discurso crítico sobre a desigualdade de género e sendo assim pode e deve ser expresso tanto por homens como mulheres.

No palco, o pano de fundo dominante, quase totémico é a capa do álbum, uma das melhores do ano passado a par de “Childish Gambino” e “Kaytranada”. O menino rei da capa é simultaneamente ameaçador e inocente, reflectindo na perfeição o conceito de que o mal e o que o lado negro da masculinidade provoca no mundo se deve mais a ignorância e a pressupostos não assumidos e não explorados do que a malícia.

“Big Cat” lança assim a provocação: “Hayden Thorpe” canta em falsete sobre o macho alfa, uma letra toda ela de afirmação irónica, entregue em modo de vulnerabilidade. Musicalmente esta, como outras do novo álbum tem um registo mais pesado e sincopado, como se o som pretendesse emular a presença física de alguém que se mexe no mundo como se este fosse o seu recreio. A “Simple Beautiful Truth” e “We Still got the Taste Dancing in our Tongues” de registos anteriores contrastam imediatamente por uma maior leveza e abandono. Curiosamente também funcionam menos em palco, pois sendo canções que têm menos músculo e mais leveza tornam-se mais anódinas ao vivo. “He the Colossus” e principalmente “Ponytail” (com tom barítono do baixista Tom Fleming a contrastar de forma interessante com o falsete de Thorpe) evidenciam esta dinâmica do concerto: as canções de “Boy King” tornam a performance muito mais viva e acordam a audiência de um certo torpor que as restantes músicas geram.

A postura da banda em palco contribuirá também para isso: falta algum brilho e garra na prestação musical e na entrega.

A postura da banda em palco contribuirá também para isso: falta algum brilho e garra na prestação musical e na entrega. Cada música parece sempre ficar um pouco aquém daquilo que se ouviu em disco. Onde se espera que as músicas cresçam ao vivo, aqui parece que diminuem. Apesar disso elas continuam a ter força inerente da sua excelência. “Alpha Female” é um hit single imediato e Tough Guy um casamento perfeito entre a vocalização aguda de Thorpe e o peso que o resto da banda lhe imprime.

“Celestial Creatures” encerra um concerto onde se esperava um pouco mais tal a força do último álbum. De qualquer forma é curioso que esta banda ao “muscular” o seu som para acompanhar musicalmente o conceito do álbum, tenha criado não só o seu melhor registo, mas aquele que melhor se aguenta na prestação ao vivo. A masculinidade tóxica é assim paradoxalmente denunciada através de uma metamorfose musical que torna a banda menos…feminina.